Cientistas propõem transformar a biodiversidade da Amazônia em tecnologia

A maior floresta tropical do planeta pode se transformar no próximo “Vale do Silício” e mudar os paradigmas de desenvolvimento sustentável.

A proposta de fazer da Amazônia um polo de inovação tecnológica em grande escala parte de um grupo de cientistas que, em estudo publicado no periódico Proceedings of The National Academy of Sciences (PNAS), defende que os 6,7 milhões de km² da floresta escondem matérias-primas que devem impulsionar a quarta revolução industrial.

De acordo com os autores, produtos e serviços inovadores de alto valor agregado podem ser criados ao unir as avançadas tecnologias digitais e biológicas –como inteligência artificial, robótica, internet das coisas, genômica, edição genética, nanotecnologias, impressão 3D– com o conhecimento tradicional da região.

O estudo foi liderado por Carlos Afonso Nobre, da Academia Nacional de Ciências dos EUA e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e pelo empreendedor peruano Juan Carlos Castilla-Rubio, engenheiro bioquímico da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e presidente da Space Time Ventures, empresa especializada em inovações da quarta revolução industrial.

“As nossas análises mostraram que, se continuarmos com os dois modelos de desenvolvimento historicamente usados, que são a conservação pura da floresta e a atividade agropecuária, o desmatamento vai continuar. Se não encontrarmos uma outra maneira, a floresta vai desaparecer”, afirmou em entrevista à DW Brasil Carlos Nobre, principal autor do estudo.

Chamada de “terceira via”, a proposta dos cientistas enxerga a Amazônia como um patrimônio biológico global, que pode impulsionar a nova revolução movida a inteligência artificial e tecnologias que “imitam” a natureza – o biomimetismo.

“Existe um valor agregado muito maior nos recursos biológicos da Amazônia que podem gerar uma economia muito robusta, de longo prazo, que sustentará um novo modelo e que é compatível com a floresta em pé”

Carlos Nobre

Desvendar de que plantas e animais são feitos, como organismos se locomovem e percebem o ambiente, por exemplo, são a chave para criação de materiais, sensores e até robôs do futuro.

“Conhecemos o caso de uma espuma resistente produzida por um sapo que inspirou a criação de uma nova tecnologia de captura de CO2 da atmosfera”, diz Juan Carlos Castilla-Rubio.

A Amazônia também é fundamental no combate às mudanças climáticas – a estimativa é que suas árvores armazenem até 200 bilhões de toneladas de carbono. A liberação desse gás de efeito estufa na atmosfera poderia elevar a temperatura do planeta num ritmo ainda mais acelerado.

“Talvez a proposta de explorar esse patrimônio biológico seja, de fato, a única possibilidade de conservar a Amazônia” (Nurit Bensusan, especialista em biodiversidade do Instituto Socioambiental – ISA)

“Mas é preciso muito cuidado para que haja a repartição de benefícios, para que a exploração dos recursos naturais não vire patentes nas mãos de empresas internacionais detentoras de tecnologia”, alerta.

“Vale do Silício” amazônico

Para Castilla-Rubio, a Amazônia é o próximo centro de inovações do mundo, mas ainda é cedo para dizer se a floresta tropical será tomada por laboratórios de alta tecnologia.

“Ainda não sabemos como isso vai acontecer exatamente, é um tema que vai durar 20 anos ou mais. Mas sabemos que a capacidade e conhecimento local precisam ser reforçados, e muito”, comenta o especialista, que compara o nível de dificuldade do projeto “à ida do homem à Lua”.

Atualmente, apenas 2% dos doutores formados anualmente no Brasil vêm de universidade amazônicas.

Ao mesmo tempo, a Amazônia é o lar de cerca de 2,7 milhões de indígenas. Para que essas comunidades se beneficiem do “Vale do Silício Amazônico”, a pesquisadora Bensusan diz que é preciso reverter uma tendência:

Os conhecimentos tradicionais são desrespeitados. É preciso reconhecer seu importante papel identificando determinados princípios, usando plantas e animais para processos de cura e cosméticos, fazendo a distribuição espacial de muitas espécies, e o manejo

Nobre reconhece as dificuldades. “É difícil essa articulação do que realmente retorna para os povos da floresta quando o conhecimento deles é apropriado e se torna um produto no mercado. Mas a Lei da Biodiversidade está aí para ser testada”, diz o cientista, fazendo referência à legislação aprovada em 2015, que prevê pagamento às comunidades indígenas por parte da indústria.

É por isso que a revolução impulsionada pela Amazônia tem que ser inclusiva, defende Nobre.

“E a única maneira de isso acontecer é pela qualidade da educação. E não dá para eliminar o governo: é ele que tem que garantir capacitação profissional e pesquisa básica. A revolução vai acontecer, queremos que ela traga o melhor impacto e benefício para a floresta e quem vive dela”, finaliza.

Cenário catastrófico

Em mais de 50 anos de exploração da Amazônia, que se estende por 9 países e ocupa 47% do território brasileiro, a expansão da agropecuária e ocupação já desmataram 20% da floresta.

Segundo diversos estudos publicados por climatologistas, se mais de 40% da floresta for destruída, a mata densa não consegue mais se recuperar e se transforma numa savana. (Com DW Brasil e Estadão Conteúdo)

Fonte: UOL Notícias (SP)

Foto: Bruno Kelly / Reuters

 

 

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